terça-feira, 6 de março de 2007

O intelecto "reaça"

Li no blog do Zanin o texto dele sobre a entrevista com Antônio Cícero na Folha de São Paulo e faço coro com ele no "senão" ao discurso do poeta e filósofo. Só que acho hilárias as reações dos leitores nos comments. O discurso deles simplesmente confirma as afirmações de Antônio Cícero sobre a dialética caolha da nossa inteligentzia progressista. Toda a discussão vai simplesmente pro ralo economicista, com jargões, raciocínios e teorias que, apesar de não estarem longe de uma leitura exemplar de questões político-sociais, tranquilizam muito dos nossos inteligentes pela lógica do "lado certo". Acusam o cara de neoliberal, filhinho de papai que estudou nos States, citam Marx à torto e à direito ("a filosofia passa pela barriga"), e falam que ele leu Fukuyama porque chamou a esquerda de "economicista". Mas toda a discussão só parece confirmar as críticas de Antônio Cícero à moral e ao pensamento de esquerda no país, mesmo que não justifiquem sua postura blasé relativizando problemas históricos na fórmula chique do "mínimo de condições dignas". Me desculpe Antônio Cícero, mas isso é peidar na água.

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Com o perdão da grosseria, mas Renato Janine Ribeiro "rasgou o cu" escrevendo aquele artigo em ocasião da morte do garoto João Hélio. Eu até entendo o modo como ele tentou mapear as emoções extremadas frente àquele momento, só que errou ao fazer disso "crítica à razão", porque, ele negando ou não, isso está evidente no papel do jornal. Mais um ponto pro Antônio Cícero.
Mas por outro lado, creio que outros formadores de opinião deveriam se conter um pouco com relação ao texto do Janine Ribeiro e entender o tipo de crise que ele expõe nesse debate. Como ele mesmo disse no Mais! desse domingo, ele não fez um texto que propunha algo, ações ou pedia maior rigidez nas leis e pena de morte. Ele fez um ensaio desajeitado sobre seu impulso e desejos de vingança ante ao horror. Mas como o mundo não é dos desajeitados, ele terá de dar conta do papel constrangedor a que se prestou, porque afinal de contas, intelectual também é gente.

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Um exercício interessante seria examinar com acuidade os discursos provocadores de gente tida como conservadora e, a despeito da descabelada convicção reacionária deles, em alguns pontos eles colocam em cheque muitas de nossas convicções "progressistas" que podem tomar a forma de demagogia.
O professor e filósofo Luiz Felipe Pondé é um reacionário clássico, aquele com ótima articulação verbal, bem longe de nossos senadores acacianos com síndrome de Ruy Barbosa. Em razão dessas leituras de fim de semana (da entrevista do Antônio Cícero ao Mais!) cheguei a uma entrevista (Chega de Modernidade) com o professor Pondé. Pois bem. Todo seu arsenal intelectual se serve de críticas à modernidade e elogios à Idade Média. A coisa toda é uma retomada da intelectualidade conservadora religiosa no debate público.

O que ele diz à respeito da limitação do discurso moderno que é muitas vezes mais resposta do que dúvida (o que seria - e é - contraditório) e da arrogância de quase instaurar um "marco zero" no mundo a partir da Idade Moderna, rejeitando tudo o que veio antes, deve ser lido com muita atenção. Só creio que sua crítica é mais válida na circustância do que no cerne. Se formos ao cerne, teremos de lidar com essa tentativa de reação conservadora, na sua convicção de que o mundo é naturalmente tormentoso, que as vanguardas são uma merda e de que o problema da humanidade é de ordem estritamente moral. Ai o cara mostra a que realmente veio e é onde faz valer o todo de suas declarações, que são essencialmente reacionárias e recacadas.

Um comentário:

Fernando disse...

Francis,
Quando li o que você escreveu, concordei com a crítica que fez à postura aparentemente blasé do Antonio Cicero. Mas quando fui ao blog dele (http://antoniocicero.blogspot.com), para ler a tal entrevista, vi que não é bem assim, uma vez que ele defende também o que chama de "um reformismo profundo e consequente". Numa época em que presenciamos revoluções que falharam ou que se tornaram pesadelos, o que se pode querer mesmo, além de um reformismo profundo e consequente? Não é verdade que o reformismo social-democrata criou melhores condições de vida para os trabalhadores do que as revoluções? Acho que ele tem razão: Uma sociedade aberta em escala mundial, em que se possa promover um reformismo profundo e consequente é mil vezes melhor do que o mundo que esses marxistas autoritários desejam.

Abraço,
Fernando Nisard